A palestra ou conferência-espetá culo oferecida por Ariano Suassuna no Cais do Porto, semana passada, foi um acontecimento. Aos 81 anos, o autor de Auto da Compadecida e Pedra do Reino está exuberante em seu agudo senso de humor e vigor intelectual. Há cerca de um ano, encontrei-o no aeroporto de Recife. Aproveitei que ele estava sozinho e me aproximei para cumprimentá-lo, dizendo apenas: Sou de Porto Alegre e o admiro muito. Queria ter a honra de apertar sua mão. Claro que não perderia a palestra. Mais de mil pessoas pensaram o mesmo e se acotovelaram para ouvi-lo atentamente naquela noite e para aplaudi-lo de pé ao final do evento que integrou a apresentação de excelentes músicos e bailarinos pernambucanos.Suassuna não se conforma com a mediocridade e, mais importante, a denuncia; o que confere ao seu discurso enorme importância. Vivemos um tempo em que qualquer bobagem pode se revestir de seriedade e em que o sucesso comercial é imediatamente apresentado como “legítima expressão cultural”. O problema não envolve apenas a parcela da mídia disposta a paparicar “celebridades”, produzir fofocas, discorrer sobre o irrelevante ou elogiar programas de televisão que são apenas vergonhosos. Ele afeta, também, uma intelectualidade “pós-moderna” para a qual a diferença entre cultura e lixo cultural deixou de existir. Suassuna sustenta que o povo se acostuma com o lixo porque é isso o que lhe é oferecido. Fosse outro o “cardápio”, as escolhas seriam diferentes; assim como os cães que comem osso só porque não lhes dão carne.Sobre o tema, Suassuna contou muitas histórias divertidas. Ao ouvir a banda Calypso, por exemplo, ficou impressionado com a pobreza das melodias e das letras, fato que, entretanto, contrastava com o enorme sucesso do grupo. Então, leu uma matéria onde se afirmava que Calypso era “a verdadeira expressão da cultura brasileira” e que seu guitarrista, Chimbinha, “era genial”. Suassuna, então, pergunta: “Mas se o Chimbinha é ‘genial’, qual o adjetivo que usaremos para Beethoven?”. Nesta simples questão, temos parte do programa crítico proposto pela Escola de Frankfurt e a chance de concordar com Adorno, que assinalou: “Quem se dedicar a situar o sistema da indústria cultural nas grandes perspectivas da história universal, terá que defini-lo como a exploração planificada da ruptura primordial entre os homens e sua cultura” (Minima Moralia).Ver semelhanças em tudo é sinal de vista fraca e, antes de tudo, deveríamos ser educados a distinguir. Falo em “educação” no sentido formal mesmo, como missão a ser cumprida pela escola – único espaço onde a indústria cultural poderia ser derrotada verdadeiramente em um processo de sensibilização e promoção do gosto. Sem isso, a audição regride, a percepção visual se estreita, o raciocínio se embota. Por tudo isso, acho que o Brasil deveria prestar mais atenção ao que Suassuna tem dito.
Em 09 de novembro de 2008
*Jornalista
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